Por que aquecimento global pode 'envenenar' arroz em partes do mundo

  • 29/04/2025
(Foto: Reprodução)
O arroz é um alimento básico para bilhões de pessoas ao redor do mundo, mas um novo estudo sugere que as mudanças climáticas podem aumentar os níveis de arsênio contidos no grão. O arroz é um alimento básico para bilhões de pessoas ao redor do mundo, mas um novo estudo sugere que as mudanças climáticas podem aumentar os níveis de arsênio contidos no grão Alamy/Via BBC Brasil O arroz é um alimento básico para mais da metade da população mundial. É consumido diariamente por mais pessoas do que o trigo ou o milho. Portanto, é com certa preocupação que os cientistas revelaram uma descoberta recente: à medida que as emissões de carbono aumentam, e a Terra continua a esquentar, o mesmo acontece com os níveis de arsênio no arroz. A presença de arsênio no arroz é conhecida há muito tempo como um problema. Quase todo arroz contém arsênio. Esta substância química nociva, de ocorrência natural, pode se acumular no solo dos arrozais, contaminando os grãos de arroz cultivados. Mas as quantidades encontradas nos grãos de arroz podem variar consideravelmente, desde valores bem abaixo dos limites recomendados pelos órgãos reguladores até valores muito superiores. No Brasil, a concentração de arsênio no arroz não costuma ser um problema. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) explica que, como o arsênio é encontrado na crosta terrestre, pode estar presente na água e em alimentos. Por isso, há limite máximo tolerado estabelecido, que é a concentração máxima do contaminante legalmente aceita no alimento. A concentração de arsênio permitida no Brasil é de 0,20 mg/kg para arroz branco e 0,35 para arroz integral. Um dos primeiros a pesquisar o arsênio em alimentos no Brasil, Bruno Lemos Batista, professor de química na Universidade Federal do ABC (UFABC), explica que as últimas pesquisa que fez mostraram que os valores estavam dentro das recomendações mundiais e dos limites da legislação brasileira. A Anvisa fez a última avaliação em 2023, quando também identificou normalidade. Arroz branco ou integral? Lavar ou não lavar? Veja 5 respostas sobre item essencial no prato dos brasileiros Arroz soltinho e saudável: o segredo por trás da receita do prato perfeito que você vai querer testar em casa No entanto, consumir até mesmo pequenas quantidades de arsênio inorgânico por meio de alimentos ou água potável pode levar a uma série de problemas de saúde, como câncer, doenças cardiovasculares e diabetes. Lemos explica, porém, que "se colocássemos limite zero de arsênio nos alimentos, poderíamos não ter alimentos para consumir". No momento, os limites que temos para o arroz apontam a uma pouca incidência de doenças causadas pelo arsênio. "Isso minimiza os riscos e permite o consumo, mas o risco ainda existe", avalia Lemos. Pesquisadores ao redor do mundo têm estudado maneiras de reduzir os níveis de arsênio no arroz — e, enquanto isso, há maneiras de cozinhá-lo que podem extrair parte deste elemento nocivo dos grãos. Globo Repórter mostra os benefícios do arroz e do feijão para a saúde Mas um novo estudo sobre o acúmulo de arsênio inorgânico mostrou que ele pode se tornar um problema maior devido às mudanças climáticas. Os pesquisadores cultivaram 28 variedades diferentes de arroz em quatro locais diferentes na China em condições experimentais durante um período de 10 anos. Eles descobriram que os níveis de arsênio no arroz aumentavam à medida que os níveis de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera e as temperaturas subiam. O arsênio no arroz pode aumentar à medida que os níveis de CO₂ e as temperaturas continuam a subir Getty Images/Via BBC Brasil Em seguida, os epidemiologistas simularam como, com base nos níveis atuais de consumo de arroz, esses níveis de arsênio poderiam afetar a saúde das pessoas. Eles estimaram que os aumentos correspondentes nos níveis de arsênio no arroz poderiam contribuir para aproximadamente 19,3 milhões de casos de câncer a mais somente na China. "O arsênio inorgânico mostrou, em mais estudos do que se pode imaginar, ser cancerígeno, ter efeitos adversos em relação à saúde pulmonar e cardiovascular — é uma longa lista", diz Lewis Ziska, professor de ciências da saúde ambiental da Universidade de Columbia, em Nova York, coautor do estudo. "E duas métricas das mudanças climáticas — o aumento do CO₂ e o aumento das temperaturas — estão resultando em quantidades maiores." Vale ressaltar que o pior cenário possível dos pesquisadores vai além do cenário "de costume" de altas emissões usado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, o órgão da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre clima. As previsões mais sombrias presumem que as temperaturas aumentem em 2ºC, e que os níveis de CO₂ aumentem em mais 200 partes por milhão entre 2025 e 2050. Mas fornece uma visão geral do que pode acontecer com as plantações de arroz no futuro se as emissões de carbono não forem reduzidas. Embora os pesquisadores tenham se concentrado em locais na China para seus experimentos, eles dizem que esses impactos provavelmente também serão observados no arroz cultivado em regiões como a Europa e os EUA, já que o arsênio inorgânico é comum no arroz cultivado ao redor do mundo. "Não fomos os primeiros a analisar o CO₂, não fomos os primeiros a analisar a temperatura — mas fomos os primeiros a colocá-los juntos no campo. E foi isso que nos surpreendeu", diz Ziska. É claro que o estudo tem limitações, além das métricas escolhidas para o cenário de 2050. Por um lado, presumiu que a população vai continuar a consumir a mesma quantidade de arroz por pessoa em 2050 que consumia em 2021, embora, à medida que os países ficam mais ricos, seu consumo de arroz tende a diminuir. Por outro lado, também supôs que as pessoas continuariam a consumir muito mais arroz branco do que arroz integral, como fazem atualmente. Devido à forma como é processado, o arroz branco contém menos arsênio inorgânico do que o arroz integral — portanto, uma mudança na direção oposta poderia piorar ainda mais os números. Ainda assim, este é "um dos estudos mais abrangentes" já realizados sobre o assunto, afirma Andrew Meharg, professor da Escola de Ciências Biológicas da Queen's University Belfast, na Irlanda do Norte, pesquisador de longa data do arsênio no arroz, que não participou do estudo. "É o mais robusto que se pode obter." Os seres humanos sabem há centenas de anos que o arsênio é tóxico. Sua natureza insípida, incolor e inodora fez dele o método preferido para eliminar inimigos nas cortes da Roma antiga e da Europa medieval. Porém, em doses únicas e em quantidades mínimas, ele não causa envenenamento. Nas últimas décadas, os cientistas descobriram que mesmo quantidades menores de arsênio podem causar impactos à saúde quando a exposição ocorre de forma crônica ao longo da vida. Em arrozais inundados, bactérias anaeróbicas no solo recorrem ao arsênio devido à falta de oxigênio Getty Image/Via BBC Brasil Isso é particularmente verdadeiro no caso do arsênio inorgânico — termo usado para o arsênio que não possui átomos de carbono ligados a ele —, que é capaz de se ligar mais facilmente a biomoléculas no corpo humano, onde pode causar danos. Embora ocorra naturalmente em rochas e solos, o arsênio inorgânico pode ser um subproduto de atividades como mineração, queima de carvão e outros processos industriais. Isso significa que o arsênio inorgânico é particularmente predominante nas águas subterrâneas em várias regiões, incluindo a América do Sul e partes do sul e centro da Ásia. Mas as pessoas em outros lugares também são vulneráveis: nos EUA, por exemplo, mais de 7% dos proprietários de poços privados, ou 2,1 milhões de pessoas, estão consumindo níveis perigosos de arsênio inorgânico. Em todo o mundo, cerca de 140 milhões de pessoas bebem água com níveis de arsênio acima das diretrizes recomendadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS). E, além da água potável, a principal fonte de exposição alimentar ao arsênio no mundo todo é o arroz. Em regiões que tendem a ter pouco arsênio em suas águas subterrâneas, como a Europa, o arroz é a maior fonte de exposição alimentar ao arsênio inorgânico. O problema se resume à forma como cerca de 75% do suprimento mundial de arroz é cultivado, diz Ziska — em arrozais irrigados. O arroz tende a ser "sufocado" por ervas daninhas. Mas o arroz pode crescer na água, enquanto as ervas daninhas não. "Isso dá ao arroz uma grande vantagem sobre as ervas daninhas, e você não precisa pulverizar, nem capinar", explica Ziska. "Mas há uma desvantagem. A desvantagem é que, por estar inundado, não há oxigênio no solo." Nestas condições, as bactérias anaeróbicas do solo recorrem ao arsênio como uma alternativa ao oxigênio para receber elétrons durante a respiração. Estas bactérias facilitam, então, reações com outros minerais presentes no solo que tornam o arsênio mais biodisponível e mais fácil de ser absorvido pelas plantas de arroz por meio de seus sistemas de raízes. "Quando você altera o solo, fazendo com que tenha menos oxigênio, o arsênio entra em cena", afirma Ziska. Isso altera o microbioma do solo de tal forma que as bactérias que gostam de arsênio se tornam mais prolíficas. E é isso que ele e seus colegas pesquisadores preveem que vai piorar com o aumento da temperatura e dos níveis de dióxido de carbono na atmosfera. "Essa bactéria no solo está recebendo mais carbono. Está ficando mais quente. E está se tornando mais ativa", diz Ziska. "É realmente um efeito sinérgico. Você está deixando as pequenas bactérias mais felizes com temperaturas cada vez mais altas, mas também fornecendo a elas mais carbono, e elas simplesmente enlouquecem." Ziska e sua equipe descobriram que este efeito ocorreu em cerca de 90% dos 28 tipos diferentes de arroz que eles cultivaram durante o estudo de 10 anos. O que preocupa os especialistas em saúde pública é que quanto mais pesquisas são feitas sobre o arsênio inorgânico, pior parece ser seu efeito sobre os seres humanos. Em janeiro de 2025, a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA, na sigla em inglês) atualizou sua avaliação do "fator de potencial cancerígeno" do arsênio inorgânico, levando em consideração todas as novas pesquisas sobre arsênio e doenças. A avaliação mais recente constatou que "o arsênio é um carcinógeno muito mais potente do que acreditávamos anteriormente", afirma Keeve Nachman, professor de saúde ambiental e engenharia da Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg e coautor do estudo sobre arroz e arsênio. Em particular, agora há boas evidências de que o arsênio não só aumenta o risco de câncer de pele, mas também de câncer de pulmão e de bexiga. Além do câncer, o arsênio inorgânico aumenta o risco de doenças cardíacas e diabetes. Quando consumido por mulheres grávidas, também torna a mortalidade fetal ou infantil mais provável, além de aumentar o risco de baixo peso ao nascer — o que pode causar impactos na saúde ao longo da vida, como doenças cardiovasculares —, ou ter efeitos neurocognitivos no desenvolvimento. Para indivíduos, os riscos são mínimos. Por exemplo, a última revisão da EPA constatou que o consumo de 0,13 microgramas por kg de peso corporal de arsênio inorgânico por dia — ou 7,8 microgramas para uma pessoa de 60 kg — aumentaria o risco de desenvolver câncer de bexiga em cerca de 3%, e diabetes em aproximadamente 1%. Porém, em diferentes populações, principalmente naquelas que consomem muito arroz, estes pequenos riscos podem se acumular. E, se as previsões feitas por Ziska e seus colegas se confirmarem, isso pode afetar significativamente as doenças em populações que dependem do arroz como alimento básico nas próximas décadas. Então, além de reduzir as emissões e manter o aumento da temperatura o mais baixo possível, o que pode ser feito? "Não podemos fingir que vamos tirar o arroz da mesa. Isso não é viável", diz Nachman. Além de ser uma importante tradição alimentar, o arroz é importante para as pessoas que vivem na pobreza, algumas obtêm até metade de suas calorias diárias somente do arroz. "Mas precisamos fazer algo diferente." Na avaliação de Bruno Lemos, professor da UFABC, uma forma de mitigar problemas relacionados ao arsênio é, por exemplo, identificar as concentrações e direcionar o arroz com menores concentrações a crianças, mulheres grávidas e idosos, que são parte da população mais sensível aos contaminantes. Os pesquisadores também têm testado se diferentes tipos de gerenciamento de água poderiam reduzir os níveis de arsênio. Um processo — em que, em vez de inundar um campo continuamente, o campo é parcialmente inundado, drenado e depois inundado novamente — parece reduzir a quantidade de arsênio inorgânico. "Mas isso só aumenta o cádmio", observa Marham. "E o cádmio é visto como uma ameaça ainda maior." O cádmio pode causar diferentes tipos de câncer, como de mama, pulmão, próstata, pâncreas e rins, além de doenças hepáticas e renais. Como alguns tipos de arroz acumulam menos arsênio inorgânico, há interesse em explorar seu cultivo. Outra solução pode ser adicionar enxofre à água, que pode absorver elétrons, como o arsênio. Outra maneira de mudar o microbioma dos campos poderia ser adicionar certos tipos de fertilizantes — uma combinação que diminuiu o teor de arsênio foi uma mistura de tomilho selvagem e esterco de aves. No entanto, são necessárias mais pesquisas sobre qualquer uma destas abordagens. Outra possibilidade pode ser o cultivo de arroz por meio da água da chuva, ou onde tanto o solo quanto a água de irrigação tenham baixo teor de arsênio. Descobriu-se que o arroz da África Oriental, que tende a contar com a água da chuva em vez da irrigação, tem um teor particularmente baixo de arsênio inorgânico, assim como o arroz da Indonésia. O arroz cultivado nos EUA, nas Américas Central e do Sul, no Sudeste Asiático, na Europa e na Austrália apresentou quantidades mais altas de arsênio. Também é necessário um melhor monitoramento e regulamentação da exposição ao arsênio nos alimentos, afirmam os pesquisadores. "Os formuladores de políticas vêm protelando isso há décadas", diz Marham. Atualmente, o FDA, a agência reguladora de alimentos dos EUA, não regulamenta os níveis de arsênio no arroz, mas estabeleceu um limite de 0,1mg/kg de arroz destinado ao consumo infantil. Em 2023, a União Europeia estabeleceu novos limites para o arsênio inorgânico no arroz, 0,2mg/kg, enquanto a China propôs a introdução de limites semelhantes. No entanto, estas recomendações não levam em consideração que algumas comunidades consomem muito mais arroz do que outras. "Há maneiras de reduzir a quantidade de arsênio inorgânico, mas isso vai exigir uma mudança fundamental no gerenciamento de como o arroz está sendo cultivado atualmente", afirma Ziska. "Isso realmente precisa de atenção, pois afeta muita gente no mundo todo." *Colaborou com a reportagem Vitor Tavares, da BBC News Brasil Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future. Arroz branco, parboilizado e integral: entenda as diferenças

FONTE: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2025/04/29/por-que-aquecimento-global-pode-envenenar-arroz-em-partes-do-mundo.ghtml


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